Gustavo Valente
Jornal noticia um estranho nascimento
Domingo, 11 de maio de 1975. O
jornal ‘Notícias Populares’ noticiava um fato bastante estranho e macabro. Na
capa dessa edição, era anunciado com grande destaque: “NASCEU O DIABO EM SÃO
PAULO”. A matéria relatava o peculiar nascimento de uma criança em 10 de maio
(sábado) no hospital de São Bernardo do Campo, município situado no ABC
Paulista. Segundo a reportagem, havia ocorrido um “parto incrivelmente
fantástico e cheio de mistérios”, marcado por “correria e pânico por parte de
enfermeiras e médicos”.
Ainda de acordo a publicação, o recém-nascido
tinha “aparência sobrenatural, com todas as características do diabo, em carne
e osso”, possuindo o corpo repleto de pelos, um par de chifres pontiagudos, uma
cauda de 5 centímetros e um olhar feroz, “que causa medo e arrepios”. Alguns
afirmam que ele chegava até mesmo liberar chamas pela boca. Como se já não
fosse o bastante, o bebê havia dito algumas palavras de cunho ameaçador à vida
da própria mãe imediatamente após o nascimento.
“Durante um parto incrivelmente fantástico e cheio de mistérios, correria e pânico por parte de enfermeiros e médicos, uma senhora deu a luz num hospital de São Bernardo do Campo a uma estranha criatura, com aparência sobrenatural, que tem todas as características do Diabo, em carne e osso. O bebezinho já nasceu falando e ameaçou sua mãe de morte, têm o corpo cheio de pelos, dois chifres pontiagudos na cabeça e um rabo de aproximadamente cinco centímetros, além de olhar feroz, que causa medo e arrepios.” – Trecho da matéria divulgada no livro ‘NADA MAIS QUE A VERDADE: A extraordinária história do jornal Notícias Populares’.
Hipóteses

A outra hipótese também teria a
mãe como causadora daquela aberração. Um suposto médico que acompanhava a
gestação da mulher teria relatado que ela havia criado “descargas magnéticas
negativas” ao se irritar por não poder dançar temporariamente em virtude da gravidez:
“Por causa desse diabinho, não posso ir dançar”.
Existem também os que acreditam
que o bebê diabo possa ter nascido dessa forma, pois seu pai era um fazendeiro
de Marília (SP), que segundo vizinhos, “não tirava o chapéu por nada nesse
mundo”. Seria essa uma atitude soberba que foi castigada ou uma estratégia do
pai para esconder um par de chifres?
Atividade do bebê a comportamento do público


Com o sumiço do bebê, o pânico se
instalou na população de São Bernardo do Campo. Crianças não eram mais vistas
brincando nas ruas, portas permaneciam sempre trancadas e mulheres retornavam
para casa mais cedo, antes do anoitecer, temendo serem vítimas do bebê. Além
disso, todas as brigas entre casais/amigos e acidentes automobilísticos na
cidade eram creditadas na conta do bebê. Para o povo, ele era a causa de todo o
mal que ocorria no município.
Nos dias que se seguiram, diversos outros
relatos sobre atividade dessa criatura foram noticiados. Dentre eles,
destacam-se os que o bebê teria andado por telhados, enlouquecido uma mulher,
acabado com um ritual umbandista, pedido sangue para beber, palitado os dentes
com um facão e assustado um taxista ao pedir que ele o levasse “para o
inferno”. O bebê até ganhou um apelido dado pela população: brasinha.
Diante de toda repercussão
causada pelo bebê diabo, feiticeiros, fanáticos religiosos e até mesmo o
cineasta Zé do Caixão se dispuseram a acabar com ele. Uma clínica particular
também se aproveitou da situação ao anunciar que poderia exibi-lo ao público
curioso desde que os visitantes fossem maiores de idade, usassem crucifixos,
não tivesse problemas cardíacos e se responsabilizassem por possíveis
“possessões demoníacas”.
Todas as manchetes do ‘Notícias Populares’
Abaixo, vocês podem conferir
todas as manchetes feitas pelo jornal ‘Notícias Populares’, acerca do
nascimento e atividades do bebê diabo:
11/5 – NASCEU O DIABO EM SÃO
PAULO
12/5 – BEBÊ-DIABO DESAPARECE
13/5 – FEITICEIRO IRÁ AO ABC
EXPULSAR O BEBÊ-DIABO
14/5 – BEBÊ-DIABO DO ABC PESA 5
QUILOS
15/5 – BEBÊ-DIABO INFERNIZA O
PADRE DO ABC
16/5 – NÓS VIMOS O BEBÊ-DIABO
17/5 – POVO VAI VER O BEBÊ-DIABO
18/5 – PROCISSÃO EXPULSARÁ BEBÊ-DIABO
19/5 – VIU BEBÊ-DIABO E FICOU
LOUCA
20/5 – SANTO PREVIU O BEBÊ-DIABO
21/5 – BEBÊ-DIABO NOS TELHADOS
DAS CASAS DO ABC
22/5 – MÉDICO AFIRMA: O
BEBÊ-DIABO NASCEU NO ABC
23/5 – DIABO EXPLODE MUNDO EM
1981
24/5 – BEBÊ-DIABO PAROU TÁXI NA
AVENIDA
25/5 – FAZENDEIRO É O PAI DO
BEBÊ-DIABO
26/5 – BEBÊ-DIABO VIAJA PARA VER
O PAI
27/5 – BEBÊ-DIABO APARECE NO
LUGAR DO ECLIPSE
28/5 – MAIS 7 VIRAM O BEBÊ-DIABO
29/5 – BISPO MORRE DE MEDO DO
BEBÊ-DIABO
30/5 – BEBÊ-DIABO ARRASA COM
RITUAL DE UMBANDISTA
31/5 – FANÁTICOS AMEAÇAM
BEBÊ-DIABO DO ABC
01/6 – SEQÜESTRADO BEBÊ-DIABO
02/6 – BEBÊ-DIABO À MORTE
03/6 – BEBÊ-DIABO FOGE PARA O
NORDESTE
04/6 – PADRE DE MARÍLIA: ‘EU
ACREDITO NO BEBÊ-DIABO DO ABC’
05/6 – ZÉ DO CAIXÃO VAI CAÇAR
BEBÊ-DIABO NO NORDESTE
08/6 – POVO VÊ NOVO BEBÊ-DIABO NO
ABC
O fim do bebê diabo
No começo de junho, foi noticiado
que o bebê diabo havia sido sequestrado e levado para o Nordeste, onde teria
sido queimado vivo. Para certificar da morte do bebê, Zé do Caixão foi até a
redação do ‘Notícias Populares’ e apresentou a ideia de enviar seus
assistentes, Satã e Marcello Motta, até a Bahia. Assim, ambos partiram em um
ônibus ruma à Bahia do Terminal Rodoviário do Tietê e, após retornarem,
garantiram que o bebê diabo não existia mais.
O bebê diabo realmente existiu?
Inicialmente, vale lembrar que
nenhum outro veiculo de comunicação noticiou a história no dia em que a
reportagem do ‘Notícias Populares’ estampou a capa do jornal. Isso fez com que
os exemplares dessa edição fossem esgotados das bancas rapidamente (tanto que
restaram apenas 8 jornais nas 2 mil bancas que vendiam o ‘Notícias Populares’
em São Paulo). Apesar do sucesso de vendas, o editor-chefe do jornal na época,
Ebrahim Ramadan, relutou em seguir com o caso. Porém, a direção do ‘Notícias
Populares’ decidiu continuar a reportar informações sobre o bebê diabo,
atendendo pedidos do público e principalmente dos jornaleiros. Até 8 de junho,
foram feitas 27 reportagens.
Oficialmente, algumas
‘autoridades competentes’ jamais confirmaram a existência dessa criatura.
Diante de tanto alvoroço e curiosidade por parte da população, o médico
responsável pela maternidade de São Bernardo dos Campos, Fausto Figueira Mello
Júnior, logo tratou de esclarecer que lá “não havia nascido nenhum diabinho.” O
diretor administrativo, Roberto Saad, também se manifestou com bem menos humor,
ao dizer que tudo aquilo era uma piada de muito mal gosto com o hospital. Enzo
Ferrari, secretário da promoção social do município na época, soltou uma nota
refutando a matéria do ‘Notícias Populares’ após visitar cada um dos hospitais
de São Bernardo do Campo e se certificar que não havia nenhum bebê diabo. Porém,
a própria preocupação de um secretário da cidade fez com que o boato ganhasse
mais atenção do público.
Com o decorrer dos dias, a história foi despertando cada vez menos interesse dos leitores, e com isso, menos destaque a ela era observado no jornal. O ‘Notícias Populares’ ainda tentou, sem o mesmo sucesso, emplacar mais duas histórias nos mesmos moldes: um ‘bebê-peixe’ e um ‘bebê atômico’.
Essa hipótese ganha ainda mais
força ao lembrar-nos de que, o público alvo do ‘Notícias Populares’, era
composto por pessoas mais simples, que por sua vez apresentam maior tendência a
se impressionar e interessar por temas que fogem à normalidade. Meses antes, o
próprio jornal já havia noticiado matérias de mesmo cunho, sobre a ‘loira
fantasma’, ‘vampiro de Osasco’ e a ‘gangue dos palhaços’.
O veredito
Em diversas páginas na web está
postado um texto supostamente escrito pelo autor da primeira matéria sobre o
bebê diabo. Nesse texto, o jornalista expõe abertamente todos os fatos
ocorridos, batendo o martelo a favor da hipótese levantada sobre o apelo
sensacionalista utilizada pelo ‘Notícias Populares’.
Em resumo, o repórter Marco Antônio
Montadon havia sido enviado à Região do Grande ABC Paulista para investigar o suposto
nascimento de uma criança com “duas saliências na testa” (chifres) e
“prolongamento no cóccix” (rabo). Porém, após as verificações, foi constatado
que o bebê havia nascido com má formações congênitas (provavelmente uma mielomeningocele),
sendo posteriormente corrigida cirurgicamente. Sem muito o que explorar diante
do ocorrido, Montadon transformou a história em uma crônica (fictícia) de
terror para preencher o espaço da matéria. Por falta de assunto e com pautas
quase que vazias, José Luiz Proença (secretário de redação do ‘Notícias
Populares’) e Lázaro Campos Borges (editor de polícia) transformaram aquela
crônica despretensiosa na manchete principal da capa, para a surpresa do
próprio Montadon.
Segue abaixo, na íntegra, o
suposto relato do próprio Montadon retirado do site “Caçadores de Mistérios”:
“Tempos atrás prometi que nunca mais tocaria nesse assunto. Mas, a bem da verdade e intimado pelo amigo Amalio Damas, vou relatar, com absoluta exclusividade, toda a história sobre o nascimento de um menino com chifres e rabo em São Bernardo do Campo, Região do ABC Paulista, que viraria um marco no jornalismo brasileiro.O bebê-diabo, assim ficou conhecido, transformou-se em literatura de cordel, filmes, documentários e deu origem a inúmeras publicações fantasiosas que omitiram o nome dos verdadeiros jornalistas do jornal Notícias Populares (NP) que participaram dessa publicação. Por isso, com tantos "pais" para o bebê-diabo, resolvi não mais escrever sobre isso, promessa que quebro agora. Um dia, caso uma editora se interesse conto toda a verdade num livro, para desmascarar as publicações mentirosas que invadiram o País depois que o bebê-diabo se transformou em lenda.Em 1975 eu trabalhava pela manhã como repórter policial no jornal Correio Metropolitano, em Santo André, no ABC, e à tarde no jornal Notícias Populares, pertencente ao Grupo Folha, como repórter especial. José Lázaro Borges Campos, falecido, amigo inesquecível, era o editor de polícia do NP. Ibrahim Ramadan, nessa época, o diretor de redação. Eu e o "Lazão", assim ele era conhecido, morávamos em Santo André e todos os dias seguíamos juntos para o NP, no 5° andar da Folha de S. Paulo, na Alameda Barão de Limeira. No mês de maio daquele ano corria forte um boato dando conta do nascimento de um bebê que tinha chifres e rabo, num hospital de São Bernardo, ABC, que aterrorizava enfermeiras, médicos, falava grosso e até soltava fogo pela boca.Com o passar dos dias, o boato se alastrou de tal forma que em todos os cantos das sete cidades do ABC só se falava nessa estranha criatura. Não faltavam padres, médicos, psiquiatras, pessoas do povo e até dados científicos para comentar sobre um possível nascimento de uma criança-monstro nesse hospital de São Bernardo. Com tantos comentários, Lázaro Campos me incumbiu de apurar os fatos e escrever uma nota sobre esse boato para o NP de domingo. Falei com a direção do Hospital São Bernardo, enfermeiras (os) e médicos. O engraçado é que algumas enfermeiras mostravam nervosismo e chegavam até a rezar o Pai Nosso quando eu tocava nesse assunto. Na verdade, garantiram-me os médicos, um bebê nascera com um prolongamento no cóccix e duas pequenas saliências na testa, problemas resolvidos com uma simples cirurgia na própria maternidade.Escrevi esse relato, sem nenhum sensacionalismo, no dia 10 de maio de 1975, um sábado e deixei o texto, de 30 linhas, sobre a mesa do Lázaro. O jornal estava para ser fechado e eu desci para esperá-lo na padaria da esquina. Fomos embora juntos, sem comentar nada sobre jornal. No domingo pela manhã percebi que a banca de revistas perto de casa estava repleta de pessoas comprando o NP. Curioso, me aproximei e consegui o último exemplar que trazia a seguinte manchete: Bebê-diabo nasce em SBC". Fui à página 5 e gelei. Minha assinatura estava abaixo da manchete forçada. Fiquei apavorado, temendo processo e a demissão do jornal por justa causa. Quando Lázaro Campos passou em casa, me recusei a sair para trabalhar. Mas, com seu jeito "mineiro", me convenceu, afirmando que assumiria a culpa da manchete, caso a direção se manifestasse desfavoravelmente. Entrei cabisbaixo no prédio da Folha. Na verdade, estava apavorado. Fiquei mais ainda quando recebi o aviso para me dirigir, imediatamente, com o Lázaro, à sala de Octávio Frias de Oliveira, dono do Grupo Folha. Entramos assustados na sala de Frias, esperando um sermão, antes da demissão. Pelo contrário. O homem, que eu ainda não conhecia pessoalmente, estava sorrindo e nos estendeu a mão, cumprimentando pela manchete e informando que, pela primeira vez na história, o NP bateu todos os recordes de venda em bancas.Custei a acreditar que tudo aquilo era verdade. Segurava a xícara com café, oferecida pelo Frias, com dificuldade, tremendo e ouvindo somente elogios. E a ordem era para darmos sequência no assunto. E assim foi feito. A notícia tornara-se uma bola de neve. A tiragem do periódico, que era de 80 mil exemplares, ultrapassara a marca dos 200 mil. O povo acreditou na história e o NP começou a inventar uma saga para o bebê-diabo. O caso permaneceu na primeira página do jornal por inacreditáveis 37 dias.”
Mas se tudo isso foi uma história
inventada, como explicar o envolvimento do Zé do Caixão? Muito fácil! Ao saber
da suposta existência do bebê diabo e de todo sucesso que ele provocara, o
próprio Zé do Caixão entrou em contato com o ‘Notícias Populares’ desejando ser
incluído nessa história. Dessa forma, Satã e Marcello Motta, assistentes do Zé
do Caixão, foram supostamente enviados até a Bahia para dar fim à criatura.
Assim, ambos embarcaram num ônibus no Terminal Rodoviário do Tietê com
cobertura do ‘Notícias Populares’ e na presença dos populares. Mas isso não
passou de uma encenação. Por falta de verba, eles não puderam viajar e
desembarcaram quilômetros depois na marginal Tietê. O discípulo Satã também
teria dito a alguns jornalistas que ele juntamente com Marcello Motta, após a
encenação do embarque no ônibus para Bahia, permaneceram dois dias reclusos em
uma chácara próxima de São Paulo, e depois voltaram para a cidade dizendo que
haviam acabado com o bebê diabo.
Portanto, a história do bebê
diabo foi só uma das diversas matérias sensacionalistas fictícias criadas pelo
‘Notícia Populares’ para preencher um espaço vazio no jornal. Mas com o sucesso
de vendas nas bancas, os responsáveis se viram, de certa forma, obrigados a
continuar aquela farsa tanto para atender o anseio do público como também para
incrementar o número de edições vendidas. Vale ressaltar que os próprios
jornaleiros pressionaram para que aquela matéria continuasse nas edições
seguintes.
Bebê diabo nas mídias
Uma história fantástica como essa
não passaria despercebida pela mídia. Toda a saga do bebê diabo foi
detalhadamente relatada no livro escrito por Celso de Campos Jr., Maik Rene
Lima, Giancarlo Lepiani e Denis Moreira, intitulado como “NADA MAIS QUE A
VERDADE: A extraordinária história do jornal Notícias Populares”. O livro,
publicado em 2002 (dez anos após o fim do ‘Notícias Populares’), é uma
biografia do antigo jornal, narrando todas as fabulosas histórias abordadas em
suas matérias, entre elas, a do bebê diabo.
O caso do bebê diabo também é o
principal tema abordado pelo documentário “Nasce o bebê diabo em São Paulo”
produzido pela TC Filmes em
2001. Além do bebê diabo, o documentário discorre sobre outras lendas
originadas em boatos do ‘Notícias Populares’, como a Loira Fantasma e a Gangue
do Palhaço. Para conferir o documentário na íntegra, basta assistir o vídeo
postado abaixo.
Referências
NADA MAIS QUE A VERDADE: A
extraordinária história do jornal Notícias Populares à https://goo.gl/HUakzK
Sobrenatural à https://goo.gl/9vfytA
Sobrenatural à https://goo.gl/9vfytA