domingo, 7 de maio de 2017

NEGRINHO DO PASTOREIO - O ex-escravo que ajuda os desnorteados!

                Gustavo Valente


Origem e características
O ‘Negrinho do Pastoreio’ é uma lenda brasileira do século XIX, de origem afro-cristã, muito contada pelos defensores do fim da escravidão. A lenda é popular principalmente na região Sul do país.

Na versão escrita pelo gaúcho João Simões Lopes Neto (autor das obras ‘Contos Gauchescos’ de 1912 e ‘Lendas do Sul’ de 1913), o protagonista é um pequeno escravo, que trabalhava para um fazendeiro perverso. Por não ter nem padrinhos e nem nome, o garoto se dizia afilhado da Virgem Maria e era conhecido como Negrinho.



A lenda
Na época da escravidão, havia um fazendeiro no Rio Grande do Sul muito conhecido pela maldade com que lidava com seus peões e escravos. Entre eles, estava o Negrinho do Pastoreio, um garoto de 14 anos. Certo dia, ele apostou um grande valor (mil onças de ouro) em uma corrida a cavalo de 60 braças (132 metros) com outro estancieiro. Como o Negrinho foi colocado como cavaleiro de um baio muito veloz, a vitória estava praticamente garantida. Porém, durante a competição, o baio se deparou com uma cobra na estrada enquanto liderava a corrida. Isso fez com que o cavalo se assustasse e empinasse, derrubando o Negrinho ao solo.

Com a perda da corrida, Negrinho foi cruelmente punido pelo estancieiro, recebendo chibatadas e sendo colocado para tomar conta de 30 cavalos no meio de uma mata durante uma fria noite de inverno. Com muito medo e frio, o Negrinho apenas conseguia rezar para sua madrinha. Sem perceber, caiu no sono não se dando conta que o cavalo baio adentrava a mata fechada e acabou se perdendo. Dessa forma, ele foi novamente castigado fisicamente pelo fazendeiro que berrava: "Você vai me dar conta do baio, ou verá o que acontece!".



Após muita procura, alguns relatos indicam que o Negrinho não conseguiu localizar o baio, enquanto outros contam que o garoto conseguiu encontra-lo e o laçou. Considerando a versão que ele encontra o cavalo, a estória prossegue narrando que, durante o caminho, a corda se rompeu e o animal fugiu novamente para a mata. Sendo assim, mais uma vez, o pequeno escravo foi castigado com chibatadas e deixado na mata para tomar conta da tropa. Não aguentando de cansaço e dor, o Negrinho dormiu outra vez e não percebeu a fuga desta vez não só de um, mas de todos os cavalos. Após o estancieiro chegar à mata e perceber a ausência de seus animais, voltou a agredir severamente o negrinho e o jogou sobre um formigueiro totalmente nu. O estanceiro partiu enquanto as formigas cobriam todo o corpo do garoto e começavam a devorá-lo.



Três dias se passaram desde esse incidente e, o fazendeiro continuava a explorar a área a procura de seus cavalos. Foi então que para sua surpresa, ele viu o Negrinho em pé, com a pele lisa, removendo as últimas formigas do seu corpo. Atrás do garoto podiam-se ver todos os cavalos pastando calmamente, e à sua frente estava uma mulher branca usando um longo manto e véu. Imediatamente o fazendeiro se deu conta que aquela era a Virgem Maria e se jogou aos pés do Negrinho lhe pedindo desculpas. O pequeno escravo nada falou, apenas beijou as mãos de Nossa Senhora, montou o baio e saiu de lá, sendo seguido por todos os cavalos.



Como entrar em contato com o Negrinho do pastoreio?
A partir do ocorrido, várias pessoas como tropeiros, andarilhos, mascates e carreteiros da região relatam ter visto tropas de cavalos tordilhos tocados pelo Negrinho que montava um animal baio. Além disso, o Negrinho sempre ajuda alguém que esteja perdido ou que perca algo na mata, desde que essa pessoa seja cristã e acenda uma vela e/ou leve uma flor, deixando-as em um mourão, galho de árvore ou próximo a um formigueiro enquanto diz: "Foi por aí que eu perdi... Foi por aí que eu perdi... Foi por aí que eu perdi...". Dessa forma, o Negrinho aparece entregando o objeto perdido ou mostrando a direção e recolhe as velas e flores levando-as para o altar de sua madrinha. Se o Negrinho não achar o objeto, desista! Ninguém mais conseguirá encontra-lo. Nem mesmo o saci!






O Negrinho do Pastoreio é um saci?
Ambos os personagens apresentam algumas semelhanças como o habitat (matas e áreas rurais), são garotos negros que podem estar montados em cavalos e ajudam as pessoas a encontrar objetos perdidos. O próprio Barbosa Rodrigues, famoso folclorista brasileiro, menciona que os dois seres são símiles. Mas as semelhanças param por ai. Além do saci ter várias particularidades que o difere do Negrinho (falta de uma perna, mãos furadas, criador de redemoinhos), este não está associado ao conceito cristão. Basta lembrar-nos que, ao invés de rosas e velas que seriam destinadas à Virgem, o saci pede ovos frescos em benefício próprio em troca do objeto perdido. Se ainda considerarmos o comportamento habitual do saci, a diferença entre os dois se torna ainda mais significativa.





Mídia

No livro de Clarice Lispector intitulado como ‘Como Nasceram as Estrelas’, são abordadas várias lendas, entre elas, a história ‘O Negrinho do Pastoreio’. Diferente da lenda descrita inicialmente por João Simões Lopes Neto, na versão de Lispector, que tinha um público-alvo infanto-juvenil, a narração foi mais branda. Isso foi necessário uma vez que a lenda original possui muitas cenas fortes. Assim como esses contos, a lenda gaúcha possui algumas adaptações que abordam a história de forma branda e bastante lúdica, em formato de livro infantil ou história em quadrinho. Segue esse mesmo modelo as obras ‘Lendas Brasileiras da Turma da Mônica’ (Editora Girassol) e ‘Coleção Folclore Mágico’ (editora Ciranda Cultural). Nessas adaptações infantis os castigos aplicados pelo fazendeiro são bem menos violentos e as formigas são amigas do Negrinho. Em muitos dos contos, o filho do estancieiro é o principal responsável pelos infortúnios ocorridos com o Negrinho. Nesse caso, o garoto era responsável pela fuga dos cavalos na mata, e ia rapidamente ao encontro do pai para culpar o pequeno escravo.


Em 1973, o conto do Negrinho presente na obra de Lopes Neto (‘Lendas do Sul’) foi adaptado em um filme chamado ‘O Negrinho do Pastoreio’ dirigido por Antônio Augusto da Silva Fagundes.


A lenda do Negrinho do Pastoreio também foi contada na forma de música de mesmo nome, interpretada por diversos artistas tais como Barbosa Lessa, Liu e Léu, Kleiton e Kledir, Inezita Barroso, Joca Martins, Jayme Caetano Braun entre outros. Confira a letra da canção e uma das performances abaixo:



Negrinho do Pastoreio



Negrinho do Pastoreio
Acendo esta vela pra ti
E peço que me devolvas
A querência que eu perdi
Negrinho do pastoreio
Traze a mim o meu rincão

Eu te acendo esta velinha
Nela está meu coração

Quero ver meu lindo pago
Coloreado de pitanga
Quero ver a gaúchinha
A brincar n'água da sanga

Quero trotear pelas coxilhas
Respirando a liberdade
Que eu perdi naquele dia
Que me embretei na cidade

Negrinho do pastoreio
Acendo esta vela pra ti
E peço que me devolvas
A querência que eu perdi
Negrinho do pastoreio
Traze a mim o meu rincão
A velinha está queimando
Aquecendo a tradição 






Lendas parecidas
Na Argentina, existe um personagem folclórico que apresenta muitas semelhanças com o Negrinho do Pastoreio. Seu nome é ‘El Quemadito’ e sua história teve início durante a guerra civil ocorrida em 1830. Confira abaixo de forma resumida a lenda do ‘El Quemadito’:

Durante a feroz luta entre unitários e federais, José María Paz (comandante das forças Unitárias) aprisionou um homem chamado José Carrizo. Embora eles achassem que Carrizo fosse um rastreador de abelhas negras que fabricam um delicioso mel, o coronel Mariano Acha o acusou de ser espião de Facundo Quiroga (comandante das forças federais chamadas ‘Tigre de los Llanos). Por conta disso, Carrizo foi queimado em na fogueira e seus restos mortais foram enterrado em uma cova marcada por uma cruz de madeira. Desde então, relatos indicam que ‘El Quemadito’ possui poderes mágicos e aparece nesse local. Muitos populares vão até sua cruz acender velas e segundo a lenda, ‘El Quemadito’ sempre os ajuda a encontrar animais perdidos.



REFERÊNCIAS
Contos e Lendas à https://goo.gl/XqqaIT
Escola Kids à https://goo.gl/fmk0zX
Folclore Brasileiro Ilustrado à https://goo.gl/ymiHC1
Geografia dos Mitos Brasileiros (Luís da Câmara Cascudo) à https://goo.gl/Zh9XoJ
InfoEscola à https://goo.gl/ZZiixq
Turma da Mônica para atividades à https://goo.gl/dq8L0d
Raza Folklorica  à https://goo.gl/N6DYQQ
Reticências da Larissa à https://goo.gl/HqPYmJ
Só História à https://goo.gl/MPMZCl
Sua Pesquisa à https://goo.gl/U4eCav
Toda Matéria à https://goo.gl/P0cTBc
Wikipédia à https://goo.gl/vJg47D