Augur
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Introdução✞
Relatos de grandes símios como o
Pé Grande ou Sasquatch dos Estados Unidos e Canadá e o Abominável Homem das
Neves ou Iéti dos Himalaias no Tibete são amplamente conhecidos e registrados
na cultura popular, além de atraírem diversos curiosos que tentam avistar tais
seres. Porém, a possível existência de uma criatura igualmente monstruosa,
chamada de mapinguiri, que habita a floresta amazônica no Brasil ainda é pouco
discutida.
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Pé-grande |
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Iéti |
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Floresta Amazônica✞
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Floresta Amazônica |
Esta região inclui territórios
pertencentes a nove nações. A maior parte da floresta está contida dentro do
Brasil, seguido pelo Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana,
Suriname e Guiana Francesa. A Amazônia representa mais da metade das florestas
tropicais remanescentes no planeta e compreende a maior biodiversidade em uma
floresta tropical no mundo. Com tamanha dimensão e riqueza de fauna e flora,
acredita-se que a floresta Amazônica ainda oculta diversos seres ainda não
identificados pelo homem. Seria o mapinguari um exemplo disso?
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Karitianas✞
Com base em evidências
arqueológicas de uma escavação na Caverna da Pedra Pintada (um sítio
arqueológico brasileiro localizado no município de Monte Alegre - PA),
habitantes humanos se estabeleceram na região amazônica pelo menos há 11.200
anos. Recentes descobertas antropológicas sugerem que a região amazônica chegou
a ser densamente povoada, com cerca de 5 milhões de pessoas vivendo na Amazônia
no ano de 1500. Em 1900, a população teria caído para 1 milhão e, no início dos
anos 1980, era inferior a 200.000 pessoas. Entre os povos indígenas que ainda
habitam a região amazônica estão os Karitiana, povo com cerca de 320 indivíduos
falantes da língua Arikém (derivação do Tupi), que habitam cinco aldeias no
norte do estado de Rondônia.
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Tribo Karitiana |
Os Karitiana mencionam frequentemente a existência, em sua região, de uma criatura monstruosa que assombra populações indígenas e não indígenas por toda a Amazônia (estados de Rondônia, Amazonas, Acre e Pará). Eles a denominam por diferentes termos, como mapinguari, Owoj (avô materno), Kida so’emo (coisa da cara preta) ou Kida harara (coisa que ri). Os indígenas recomendam a não pronunciar esse último no interior da florestas, talvez porque “harara” seja uma onomatopeia de risada, e isso pode atrair a criatura.
O termo “kida” é usado para
descrever desde seres sobrenaturais/míticos (como, por exemplo, o Curupira e
outros monstros ou seres aberrantes da floresta) e até alguns animais que
demonstrem agressividade contra humanos (como por exemplo, onças, serpentes,
piranhas, jacarés, mas também até mesmo carrapatos, aranhas e lacraias). Já o
termo “mapinguari” é comumente usado para designar uma categoria de seres, e
pode ser traduzido como “coisa”, no sentido de criatura agressiva, terrível,
assassina, assustadora, monstruosa, excessiva, perigosa, mortal. Segundo o
pesquisador Câmara Cascudo, “mapinguari” é uma contração de Mbaé-pi-guari, que
do Tupi significa “a coisa que tem o pé torto”.
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Características✞
O Mapinguari Karitiana é relatado como uma criatura de aproximadamente 3 metros de altura, coberta de pelos pretos, mas que parece gente. Possui unhas em forma de gancho, dentes de 20 centímetros para fora da boca e olhos vermelhos “como fogo”. A criatura ataca com os braços levantados (como os “espíritos maus”) e mata as pessoas arrancando braços e pernas antes de devorá-las. Balas e flechas não conseguem perfurar seu peito e barriga, que são “como pedra” ou “têm pedra”, e que nada pode furar (chumbo seguramente não; balas talvez furem, postulam os Karitiana; mas ele é, segundo a maioria dos interlocutores, imortal). Dorme em pé e, grande “como tratorzinho”, anda pela floresta dia e noite, fazendo a terra tremer, arrastando o pé e derrubando árvores, quebrando e arrebentando palmeiras de babaçu (que ele gosta de comer) – por isso não é prudente caminhar sozinho pela mata na escuridão. Vive em uma caverna no rumo sudeste da aldeia de Kyõwã, uma caverna grande em que “cabem quatro caminhões” e na qual ninguém pode ou deve entrar, pois está guardada por enormes morcegos vampiros, que só existem ali, além de jacarés e poraquês (peixes-elétricos). Diz-se, ainda, que estes poraquês são sua borduna (ou lança) e que o sangue humano é sua chicha (a apreciada cerveja de mandioca).
Por outro lado, a caracterização do Mapinguari diverge por diversas histórias contadas, sendo comum traços como pelagem avermelhada, andar em duas ou quatro patas, exalar odor, ter apenas um olho, ter a boca na altura do umbigo e até usar armadura feita de cascos de tartaruga. Apesar de grande parte das características se manterem inalteradas como a braveza da criatura, as narrativas não são unânimes, o que pode ser fruto de inúmeras adaptações de personagens monstruosas da tradição europeia e indígena que teria ocorrido durante os ciclos da borracha na Amazônia no final do século XIX e nas primeiras cinco décadas do século XX.
Essa confusão pode não ser à toa já que alguns Karitiana dizem que uma criatura que denominam Bicho-preguiça gigante (O’i ty) é um ser diferente do Mapinguari, o que sugere que a fusão do Mapinguari com o Bicho-preguiça gigante decorre da penetração das mídias e dos conhecimentos das populações rondonienses do entorno entre as gerações indígenas mais novas. A maioria dos Karitiana afirma, entretanto, que o Mapinguari e o Bicho/Macaco-preguiça gigante são o mesmo horripilante ser, e suas características coincidem em termos gerais: diz-se do Bicho-preguiça ou Macaco/preguiça-gigante que não morre com tiros porque seu peito e costas “têm pedra”; tem a altura de um homem (cerca de dois metros) ou é grande “como tratorzinho”; dispõe de braços fortes que matam animais com um abraço, e de unhas e dentes enormes; e, quando é encontrado na mata, grita como porco, o que engana caçadores, os quais pensam se tratar de porcos do mato e, incautos, aproximam-se. Parece-me, em suma, que tratamos do mesmo ente, mas nomeado de formas diversas.
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Mapinguari |
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Relatos✞
“Uma vez estávamos caçando e
começamos a ouvir espocadas – “pá, pá, pá...” –, e pensamos que era carro, mas
não era. De noite às vezes a gente escuta barulho dele espocando [quebrando,
arrebentando] babaçu na mata. Um índio, uma vez, encontrou preguiça gigante no
igarapé que passa na roça dele, perto da aldeia [Kyõwã], atirou, o bicho caiu
um pouco pra trás, mas não morreu. Este bicho tem pedra no corpo, é de pedra,
por isso não adianta atirar, não morre. O Mapinguari come as pessoas, não é bom
andar sozinho no mato. Mapinguari vive também na Serra Morais. Ele é invisível,
aparece e some; seu dente parece estaca, ele é peludo. Bicho mau, quando sente
presença de pessoa, mata e come. Faz zoado como fogo, vira fogo, não pode
chegar perto dele. O bicho da Serra do Morais se transforma em gente quando
encontra alguém, conversa com pessoa e depois come seu espírito; a pessoa volta
na aldeia, fica doente e morre. Ele também se transforma em outros animais. Se
não incomodado, não faz nada, mas ataca se for atrás dele, com as mãos
levantadas, como espírito dos mortos [psam’em]. Nome dele é kinda harara, mas
não pode chamar o nome no mato, pois aí o bicho aparece e mata a pessoa. Também
é chamado de owoj. Quando ele anda, a terra treme. Uma vez ele veio até a aldeia,
e todo mundo correu.”
“A caçada teve início durante o
dia, mas o Bicho-Preguiça gigante foi avistado no entardecer e à noite enquanto
o Macaco-Preguiça gigante, somente durante o dia; esse bicho ou macacão andava
na mata, meio devagar, era muito feio, grandão e amedrontador, tinha um enorme
braço, com o qual circundava cipozão e árvores, a cabeça era igual a de um
macacão preguição, cabeça grande, tamanho da lua, era binocular, tinha dois pés
grandes e feios, tinha unhas, pele lisa, pelo por todo o corpo e cara, ou sem
pelo na cabeça, no rosto e no peito, e/ou tinha pedra pelo corpo inteiro, era
invulnerável à bala e valente, arrebentava cipó, fazia zoada na mata batendo os
dentões, quebrava tudo, parecia um trator, parecia uma máquina, quebrava
árvores, gritava feio, berrava, roncava grande, roncava alto, ficava de/em pé e
perseguia os caçadores, que tinham que fugir para não morrer.”
O mapinguari também foi avistado
por um grupo de catadores de açaí de Rondônia no início de setembro de 2014.
Cerca de 30 famílias vivem na Vila dos Pescadores localizada à beira do rio
Jamari (85 km de Porto Velho), e vivem da pesca e extrativismo de açaí. A
extração de açaí é feita principalmente na Reserva Florestal Sumaúma, a 5 horas
de viagem de barco, onde teria ocorrido o avistamento. Mantendo o anonimanto,
os catadores de açaí relataram como foi o incidente. Tudo começou quando eles
ouviram um grito floresta adentro. De acordo com umas das testemunhas: “Comecei
a imitar o grito e percebi que o som se aproximava de nós. Foi quando começamos
a ouvir um forte estralo e de maneira intermitente. Nesse momento, apareceu uma
criatura de cor escura e de aproximadamente dois metros de altura, com apenas
um olho avermelhado como chamas”. Assustados, todos deixaram o açaí que tinham colhido
e correram para a beira do rio, pegaram o barco e voltaram para uma barraca
improvisada que eles tinham feito. Mas ao chegar próximo da barraca, o medo foi
ainda maior, quando viram novamente a criatura próximo da barraca. Na mesma
hora, todos retornaram para a canoa, deram partida e rapidamente e voltaram
atemorizados em direção a Vila dos pescadores. De acordo com um dos
trabalhadores: “Já estava escuro quando saímos da reserva, sem lanterna e
deixamos tudo para trás. A viagem de volta foi mais perigosa, pois não enxergávamos
quase nada”, disse um deles. O susto foi tão grande que alguns deles não
conseguiram dormir por alguns dias. A notícia logo se espalhou na Vila e devido
ao ocorrido, nenhum extrativista se arrisca a ir mais naquela reserva.
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Seria o mapinguari uma preguiça gigante?✞
De acordo com parte dos
Karitianas, as diferenças de relatos quanto as características do mapinguari
podem ocorrer devido ao fato de algumas testemunhas confundir essa criatura com
um ser jurássico denominada bicho-preguiça gigante (O’i ty), que ainda pode
existir nos dias de hoje. Corroborando com isso, o paleontólogo argentino,
Florentino Ameghino, sugeriu que algumas preguiças gigantes ainda podem estar
circulando pela floresta Amazônica. As preguiças-gigantes eram mamíferos do
período pré-histórico (de mais de 12 mil anos) que tinha 3 metros de altura e
viviam na América Central e América do Sul, mas é considerada extinta há 10 mil
anos.
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Florentino Ameghino |
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Preguiça-gigante |
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David Oren |
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Esqueleto de preguiça-gigante |
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Conclusão✞
A falta de evidências da
existência do mapinguari corrobora para que a criatura não passe de uma lenda ou
no máximo uma versão exagerada, mas não menos assustadora, de um ser
pré-histórico que pode ainda vagar pela Terra a beira da extinção. As
histórias, no entanto, somam mais testemunhas para enormes seres símios que são
avistados por todo o globo ou pelo menos recebem nomes diferentes dependendo da
cultura do povo que o identifica.
Não podemos nos esquecer do
Nantiinaq, outra espécie de Pé Grande, que apesar de não ter evidências de sua
existência é considerado o responsável pelo completo abandono da cidade de
Portlock no Alaska. Assim como o mapinguari a ciência não reconhecia o gorila-das-montanhas
até que dois homens foram vítimas de um espécime em Ruanda no ano de 1902. Podemos
somar a isso o fato de que cerca de 70 espécies de primatas foram nomeadas ou
descobertas só nas últimas duas décadas.
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Portlock - Alaska |
Também devemos lembrar que além
de símios, novas espécies de mamíferos ainda são descobertas, inclusive, para a
região habitada pelos próprios Karitiana, onde uma nova espécie de anta (a anta
pretinha, Tapirus kabomani) foi
descoberta em 2013, após anos de insistentes alegações, por parte do grupo
indígena, de que ali sempre existiram antas de “tipos” diferentes.
A Floresta Amazônica é um reduto
de seres ainda não catalogados devido ao vasto território inóspito e de suas
matas densas inacessíveis, quem sabe quais criaturas misteriosas podem rondar
por seus úmidos corredores verdes.
✞ Referências✞
Forget the Fear à https://bit.ly/3D93eZF
InfoEscola à https://bit.ly/3DacSeQ
News Rondônia à https://bit.ly/3j6HNRa
Phantoms and Monsters à https://bit.ly/3B1asgz
Realidade, ciência e fantasia nas
controvérsias sobre o Mapinguari no sudoeste amazônico à https://bit.ly/2XHhNU5
Revista Galileu à https://glo.bo/3y3rtop
Wikipedia à https://bit.ly/3sD3PxX