Gustavo Valente
No ano de 2010, Nizhny Novgorod,
o quinto maior município da Rússia, foi contemplado com as visitas do
presidente Dmitry Medvedev e do primeiro ministro Vladimir Putin. Entretanto,
grande parte da mídia local estava mais interessada em cobrir outro
acontecimento: de forma inexplicável, alguns túmulos nos cemitérios de Nizhny
Novgorod apresentavam-se abertos ao amanhecer e, ainda mais bizarro, completamente
vazios. Os cadáveres simplesmente estavam desaparecendo! O que fosse
responsável por tais ocorrências, seguia um padrão bem definido: seus alvos
eram túmulos de garotas que tinham entre 2 e 18 anos.
Investigação e suspeitas
A comoção popular em torno de tal
incidente foi tamanha que as investigações policiais se iniciarem quase que
imediatamente. O Ministério do Interior Russo, responsável pela investigação,
inicialmente acreditou que seitas satânicas poderiam ter envolvimento com o
caso. Mas todo o caso teve uma
reviravolta quando Anatoly Moskvin, um pesquisador e especialistas em
cemitérios russos nascido em 1966, voluntariamente procurou a polícia
oferecendo auxílio na investigação.
O grande interesse demostrado por
Anatoly Moskvin em participar do caso chamou muito a atenção dos
investigadores. Nesse mesmo período, túmulos mulçumanos começaram a serem
vandalizados (principalmente por pichações) nos cemitérios da cidade. Então na
noite do dia 02 de novembro de 2011 (isso mesmo, no dia de finados!) a polícia
decidiu ir até a casa de Anatoly, situada no distrito de Leninsky, uma vez que
se suspeitava que ele pudesse estar envolvido nessa ocorrência. Os oito
policiais designados para tal tarefa mal imaginavam que resolveria ambos os
casos (de profanação de túmulos de jovens garotas e vandalismo de túmulos
mulçumanos) ao mesmo tempo. As evidências que encontradas nesse local os deixaram
totalmente atônitos.
Anatoly Moskvin - especialista em cemitérios da Rússia |
Bonecas são encontradas! Mas dentro delas...
Logo na garagem da residência de
Anatoly, os investigadores encontraram um objeto que chamou a atenção. Tratava-se
de uma boneca muito grande, quase do tamanho de uma pessoa, que usava uma
espécie de máscara estranha. Para surpresa de todos, ao analisar aquele objeto
de maneira mais minuciosa, os policiais descobriram que na verdade aquilo era
um cadáver mumificado adornado como uma boneca! O cenário ficaria ainda mais
assustador após vasculhar outros cômodos do apartamento. Em meio a várias
pilhas de livros os policiais encontraram mais 26 bonecas. A maioria delas
estava disposta em sofás, como se estivesse assistindo televisão, celebrando
algum encontro social ou tomando chá. Se isso já não fosse perturbador o
bastante, dentro de algumas bonecas havia caixinhas de música que entonavam
canções infantis. Quando a polícia foi manipular uma das bonecas adornada como
um ursinho de pelúcia, a caixinha de música em seu interior disparou. A canção entoada
se tratava de “Urso adora mel”, uma tradicional cantiga russa. A própria
polícia publicou um vídeo que mostrava as bonecas sentadas em sofás em volta de
pilhas de livros, papéis e desordem geral. Durante a busca, também foram
encontradas instruções de como fazer as "bonecas", mapas de
cemitérios da região e uma coleção de fotografias e vídeos mostrando sepulturas
abertas e corpos desenterrados. De acordo com a investigação, os corpos foram
removidos de cemitérios da região de Nizhny Novgorod, bem como cemitérios da
região ao redor de Moscou. Ao longo de todo processo, Anatoly cooperou
ativamente com os investigadores.
Logo que o caso se tornou
público, a mídia russa o chamou de “O Senhor das Múmias” e “O Perfumista”, em
alusão ao romance de Patrick Suskind (Perfume). Um site chamado Criminal
Chronicle foi o primeiro a noticiar o fato, no dia 03 de novembro de 2011. Com
a notícia de conhecimento público, uma mulher chamada Natalia Chardymova
contatou a polícia, alegando que uma das bonecas registradas em imagens se
tratava de sua filha Olga, que havia morrido no ano anterior aos 10 anos de
idade.
Boneca feita com o cadáver da garotinha Olga |
A surpresa foi tamanha que até
mesmo os pais de Anatoly, que dividiam a mesma moradia, não sabiam da coleção
macabra de seu filho. Para eles, aquelas grandes bonecas eram exemplares de uma
coleção vintage, então jamais desconfiaram que elas escondiam um segredo tão
obscuro. Uma vizinha chamada Galina Riabova afirmou que sempre sentiu um cheiro
de podre vindo do apartamento e que sempre via Anatoly carregando pesadas mochilas
e sacos plásticos pretos, mas era muito improvável associar tais acontecimentos
à presença de bonecas feitas de cadáveres.
Mas como Anatoly Moskvin
conseguia transformar os cadáveres em bonecas? Primeiro temos que entender como
ele furtava os corpos. Indícios sugeriram que ele praticava tal ato há quase 20
anos, então como ele não foi descoberto antes? Segundo um policial, a maioria
dos túmulos alvos de Anatoly eram profanados de forma tão suave e sutil, que
mais pareciam estar sendo restaurados. Por isso a maioria das sepulturas
permanecia praticamente intacta após sua atividade, dificultando que suspeitas
fossem levantadas contra ele. A descoberta de seu hobbie só foi possível quando
justamente ele não demonstrou essa discrição. Como já abordado no início do
texto, a polícia só conseguiu chegar até as bonecas por causa das suspeitas de
Anatoly estar envolvimento nos atos de vandalismos contra cerca de 150 túmulos
muçulmanos. Retaliação contra um atentado terrorista mulçumano ocorrido na
capital Moscou em 2011 foi o que teria motivado essa reação.
Após roubar os corpos do
cemitério, Anatoly os limpava e os embalsamava, evitando que o processo de
putrefação desenvolvesse. Para tal finalidade, ele utilizava sal e bicarbonato
de sódio para desidratar os corpos. Anatoly também os envolvia em tiras de pano
(como as múmias do Egito) para evitar que os corpos mudassem de forma e tamanho
devido o processo de desidratação. Algumas bonecas ainda precisavam ser
preenchidas com serragem ou trapos para manter a forma, processo semelhante ao
feito na taxidermia. Depois de secos, ele as vestia e as adornava. Os rostos
dos cadáveres eram cobertos por perucas e máscaras feitas de cerâmica com
detalhes pintados de esmalte. As mãos também eram escondidas, envolvendo-as em
tecidos. Anatoly confessou ter feito isso em mais de 150 cadáveres. Quando um
processo de mumificação não era bem sucedido, ele retornava com o copo para o
cemitério e acondicionava-o novamente em sua sepultura.
Em certa ocasião, Anatoly
escreveu um artigo para um jornal local que tratava sobre o tradicional
processo de produção de bonecas de pano, ocorrido na região do alto Rio Volga
em meados dos séculos XIX e XX. Segundo ele, “Entre as bonecas de pano
produziam-se, principalmente as do sexo feminino. Nas aldeias, a imagem
preferida das bonecas de pano era a feminina (…). O material básico para
fabricação das bonecas era o pano, mas há casos onde foram utilizados paus,
galhos, palha, argila, papel e areia (…). O cabelo, muitas vezes, era feito de
cabelo humano...”. Obviamente que o texto não deixa transparecer nada demais em
sua redação, mas agora que o caso está esclarecido fica claro que ele estava se
referindo ao seu estranho hobby.
Artigo escrito por Anatoly Moskvin |
Compreendendo as atitudes de uma mente tão mórbida
Um dos pontos sobre Anatoly
Moskvin que mais chama a atenção é o fato dele ter um intelecto acima da média.
Além de falar 13 idiomas, era doutor em cultura céltica, professor de história,
filósofo e escritor, tendo escrito um guia sobre cemitérios russos após visitar
aproximadamente 752 cemitérios no país em 2007. Tal pedido foi feito por Oleg
Riabov, um colega acadêmico e editor de um jornal local (Nizhny Novgorod Worker).
Durante essa jornada, ele percorria a pé cerca de 30 km diariamente. Além
disso, chegou a passar noites em palheiros, em fazendas abandonadas, ou nos
próprios cemitérios. Certa vez ele teve que até mesmo passar uma noite dentro
de um caixão. Por causa disso, Anatoly era considerado a maior autoridade em
cemitérios do país, ou seja, um “necropolista”.
Anatoly Moskvin em um cemitério na Rússia |
Além de colecionar “bonecas” ele tinha um acervo de aproximadamente 60 mil livros e documentos acumulados em sua casa. No vídeo gravado pela polícia durante a investigação em sua residência, é possível ver várias pilhas de livros e papeis acumulados nos cômodos. Entre os anos de 2006 e 2010, também trabalhou como freelancer para um jornal local (Nizhny Novgorod Worker), publicando matérias regularmente para a coluna semanal “Necrologies”, que abordava temas como obituários, histórias sobre cemitérios e pessoas famosas mortas. Conforme já abordado, Moskvin também escreveu uma extensa série de artigos sobre a história dos cemitérios de Nizhny Novgorod, após visitar centenas de cemitérios. Mesmo depois de sentenciado, ele continuou a publicar matérias, como as intituladas “Great Walks Around Cemeteries” e “What the Dead Said”.
Foto de Anatoly Moskvin mais jovem |
A resposta pode estar presente em
um trauma ocorrido na infância, narrado pelo próprio em uma matéria publicada
no Necrologies seis dias antes de ser preso. Quando tinha 13 anos de idade,
Anatoly se deparou com um cortejo fúnebre de uma garota, que seguia para um
cemitério. Tratava-se do sepultamento de uma amiga próxima, Natasha Petrova, de
apenas 11 anos. Um homem presente nessa ocasião teria puxado Anatoly,
obrigando-o a beijar a testa da menina. Sentir os lábios encostar-se à pele
gelada de uma criança morta pode ter sido o gatilho para que essa estranha
obsessão iniciasse. Segundo palavras do próprio Anatoly, “um adulto empurrou
meu rosto até a testa da garota (...), e não havia nada que eu pudesse fazer
além de beijá-la como ordenado”. Se não fosse o bastante, depois disso a mãe de
Natasha colocou uma aliança no dedo de Anatoly e também no dedo da filha, como
se realizasse uma união matrimonial. Desde então, ele começou a frequentar
regularmente o Cemitério Krasnaya Etna localizado no distrito Leninsky de
Nizhny Novgorod.
Outro acontecimento na vida de Anatoly
que pode ter incentivado seu comportamento, foi o fato do conselho tutelar
russo negar um pedido de adoção de uma garotinha em virtude de sua baixa renda.
Em depoimento para a polícia, ele afirmou que “realmente queria uma menina, uma
filha. Mas o juizado não deixou. Portanto, eu e todas essas bonecas éramos
crianças. Eu vivia com elas como vivia com os vivos, mostrava-lhes desenhos
animados, contava histórias de ninar(…)”.
Julgamento, declarações e sentença
Anatoly Moskvin dentro da jaula durante julgamento |
Anatoly Moskvin tinha inteira noção de que estava cometendo um crime, mas o mesmo alegou sentir que as crianças mortas estavam chamando por ele e implorando para serem resgatadas. Para ele, atender esse pedido de resgaste estava acima do cumprimento de qualquer lei. Como grande conhecedor da cultura celta, ele declarou posteriormente que conhecia alguns cultos antigos de druidas que dormiam em sepulturas para se comunicar com os espíritos de seus mortos. Ele também estudou a cultura dos povos da Sibéria (antigo Yakuts) e descobriu que eles praticavam um ritual semelhante. Tendo em mãos tais conhecimentos, ele começou a pesquisar obituários de crianças mortas recentemente. Assim, ele rastreava onde a criança estava enterrada e dormia em seu túmulo, a fim de determinar se o espírito queria ser trazido de volta à vida. Anatoly afirmou que nunca desenterrou um túmulo sem a permissão da criança. Com o passar dos anos e com o peso da idade, era cada vez mais difícil passar a noite nas sepulturas. Então ele começou a levar os corpos para casa, onde seria mais confortável dormir perto deles. Ele esperava que os espíritos estivessem mais dispostos a falar em um lugar seguro e acolhedor, como sua casa.
Muitos acreditaram que
provavelmente Anatoly poderia estar atuando, simulando-se de louco para escapar
de uma pena pesada. Segundo o psiquiatra forense, Leandro Gavinier, não se
poderia descartar a possibilidade de Anatoly estar manipulando suas declarações.
Fingindo ou não, o promotor Konstatin Zhilyakov solicitou sua internação
compulsória em um hospital psiquiátrico, mediante o diagnóstico de esquizofrenia
paranoica. A proposta foi aceita sem objeções pelo juiz. Após a sentença,
muitos historiadores que colaboravam em projetos juntos a Anatoly cancelaram a
parceria. Um desses pesquisadores era sua colega Yulia Zadozozhna, que
pesquisava sobre veteranos de guerra enterrados na região de Balakhna, entre os
séculos XVII e XIX. Em um dos últimos contatos entre ambos, Anatoly ainda
criticou a colega por sua pesquisa se basear em registros de igrejas ao invés
de estudar os cadáveres in loco.
Anatoly ainda teve quatro pedidos de liberdade negados além de sucessivas prorrogações de tratamento. Até julho de 2019 (data que escrevo esse artigo), Anatoly continuou internado de forma compulsória. Para Vladimir Stravinskas, chefe do Comitê de Investigação da Federação Russa da região de Nizhny Novgorod, o caso das bonecas de Anatoly pode ser considerado excepcional e inigualável do ponto de vista da análise forense moderna.
Anatoly Moskvin sendo levado para o julgamento |
Anatoly ainda teve quatro pedidos de liberdade negados além de sucessivas prorrogações de tratamento. Até julho de 2019 (data que escrevo esse artigo), Anatoly continuou internado de forma compulsória. Para Vladimir Stravinskas, chefe do Comitê de Investigação da Federação Russa da região de Nizhny Novgorod, o caso das bonecas de Anatoly pode ser considerado excepcional e inigualável do ponto de vista da análise forense moderna.
Referências
All That’s Interesting à https://bit.ly/2xm1Z8V
Horror em Dobro à https://bit.ly/2NWPEDp
Não Acredito à https://bit.ly/2O9vypG
O Aprendiz Verde à https://bit.ly/2JSRf9l
Vale do Medo à https://bit.ly/2S1r7vr
Wikipedia à https://bit.ly/2JTZEYK
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