segunda-feira, 29 de julho de 2019

ANATOLY MOSKVIN – O artesão das bonecas de cadáveres!

Gustavo Valente


 Cemitérios profanados no interior da Rússia

No ano de 2010, Nizhny Novgorod, o quinto maior município da Rússia, foi contemplado com as visitas do presidente Dmitry Medvedev e do primeiro ministro Vladimir Putin. Entretanto, grande parte da mídia local estava mais interessada em cobrir outro acontecimento: de forma inexplicável, alguns túmulos nos cemitérios de Nizhny Novgorod apresentavam-se abertos ao amanhecer e, ainda mais bizarro, completamente vazios. Os cadáveres simplesmente estavam desaparecendo! O que fosse responsável por tais ocorrências, seguia um padrão bem definido: seus alvos eram túmulos de garotas que tinham entre 2 e 18 anos.

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Investigação e suspeitas

A comoção popular em torno de tal incidente foi tamanha que as investigações policiais se iniciarem quase que imediatamente. O Ministério do Interior Russo, responsável pela investigação, inicialmente acreditou que seitas satânicas poderiam ter envolvimento com o caso.  Mas todo o caso teve uma reviravolta quando Anatoly Moskvin, um pesquisador e especialistas em cemitérios russos nascido em 1966, voluntariamente procurou a polícia oferecendo auxílio na investigação.

O grande interesse demostrado por Anatoly Moskvin em participar do caso chamou muito a atenção dos investigadores. Nesse mesmo período, túmulos mulçumanos começaram a serem vandalizados (principalmente por pichações) nos cemitérios da cidade. Então na noite do dia 02 de novembro de 2011 (isso mesmo, no dia de finados!) a polícia decidiu ir até a casa de Anatoly, situada no distrito de Leninsky, uma vez que se suspeitava que ele pudesse estar envolvido nessa ocorrência. Os oito policiais designados para tal tarefa mal imaginavam que resolveria ambos os casos (de profanação de túmulos de jovens garotas e vandalismo de túmulos mulçumanos) ao mesmo tempo. As evidências que encontradas nesse local os deixaram totalmente atônitos.

Anatoly Moskvin - especialista em cemitérios da Rússia



Bonecas são encontradas! Mas dentro delas...

Logo na garagem da residência de Anatoly, os investigadores encontraram um objeto que chamou a atenção. Tratava-se de uma boneca muito grande, quase do tamanho de uma pessoa, que usava uma espécie de máscara estranha. Para surpresa de todos, ao analisar aquele objeto de maneira mais minuciosa, os policiais descobriram que na verdade aquilo era um cadáver mumificado adornado como uma boneca! O cenário ficaria ainda mais assustador após vasculhar outros cômodos do apartamento. Em meio a várias pilhas de livros os policiais encontraram mais 26 bonecas. A maioria delas estava disposta em sofás, como se estivesse assistindo televisão, celebrando algum encontro social ou tomando chá. Se isso já não fosse perturbador o bastante, dentro de algumas bonecas havia caixinhas de música que entonavam canções infantis. Quando a polícia foi manipular uma das bonecas adornada como um ursinho de pelúcia, a caixinha de música em seu interior disparou. A canção entoada se tratava de “Urso adora mel”, uma tradicional cantiga russa. A própria polícia publicou um vídeo que mostrava as bonecas sentadas em sofás em volta de pilhas de livros, papéis e desordem geral. Durante a busca, também foram encontradas instruções de como fazer as "bonecas", mapas de cemitérios da região e uma coleção de fotografias e vídeos mostrando sepulturas abertas e corpos desenterrados. De acordo com a investigação, os corpos foram removidos de cemitérios da região de Nizhny Novgorod, bem como cemitérios da região ao redor de Moscou. Ao longo de todo processo, Anatoly cooperou ativamente com os investigadores.

Caso tenham curiosidade de saber com exatidão como eram essas bonecas, confiram o vídeo abaixo gravado pela polícia de Nizhny Novgorod:



Logo que o caso se tornou público, a mídia russa o chamou de “O Senhor das Múmias” e “O Perfumista”, em alusão ao romance de Patrick Suskind (Perfume). Um site chamado Criminal Chronicle foi o primeiro a noticiar o fato, no dia 03 de novembro de 2011. Com a notícia de conhecimento público, uma mulher chamada Natalia Chardymova contatou a polícia, alegando que uma das bonecas registradas em imagens se tratava de sua filha Olga, que havia morrido no ano anterior aos 10 anos de idade. 

Resultado de imagem para anatoly moskvin
Boneca feita com o cadáver da garotinha Olga


A surpresa foi tamanha que até mesmo os pais de Anatoly, que dividiam a mesma moradia, não sabiam da coleção macabra de seu filho. Para eles, aquelas grandes bonecas eram exemplares de uma coleção vintage, então jamais desconfiaram que elas escondiam um segredo tão obscuro. Uma vizinha chamada Galina Riabova afirmou que sempre sentiu um cheiro de podre vindo do apartamento e que sempre via Anatoly carregando pesadas mochilas e sacos plásticos pretos, mas era muito improvável associar tais acontecimentos à presença de bonecas feitas de cadáveres.


Pais de Anatoly Moskvin



Dos cadáveres às bonecas – a arte sinistra de Anatoly

Mas como Anatoly Moskvin conseguia transformar os cadáveres em bonecas? Primeiro temos que entender como ele furtava os corpos. Indícios sugeriram que ele praticava tal ato há quase 20 anos, então como ele não foi descoberto antes? Segundo um policial, a maioria dos túmulos alvos de Anatoly eram profanados de forma tão suave e sutil, que mais pareciam estar sendo restaurados. Por isso a maioria das sepulturas permanecia praticamente intacta após sua atividade, dificultando que suspeitas fossem levantadas contra ele. A descoberta de seu hobbie só foi possível quando justamente ele não demonstrou essa discrição. Como já abordado no início do texto, a polícia só conseguiu chegar até as bonecas por causa das suspeitas de Anatoly estar envolvimento nos atos de vandalismos contra cerca de 150 túmulos muçulmanos. Retaliação contra um atentado terrorista mulçumano ocorrido na capital Moscou em 2011 foi o que teria motivado essa reação.

Após roubar os corpos do cemitério, Anatoly os limpava e os embalsamava, evitando que o processo de putrefação desenvolvesse. Para tal finalidade, ele utilizava sal e bicarbonato de sódio para desidratar os corpos. Anatoly também os envolvia em tiras de pano (como as múmias do Egito) para evitar que os corpos mudassem de forma e tamanho devido o processo de desidratação. Algumas bonecas ainda precisavam ser preenchidas com serragem ou trapos para manter a forma, processo semelhante ao feito na taxidermia. Depois de secos, ele as vestia e as adornava. Os rostos dos cadáveres eram cobertos por perucas e máscaras feitas de cerâmica com detalhes pintados de esmalte. As mãos também eram escondidas, envolvendo-as em tecidos. Anatoly confessou ter feito isso em mais de 150 cadáveres. Quando um processo de mumificação não era bem sucedido, ele retornava com o copo para o cemitério e acondicionava-o novamente em sua sepultura.

Em certa ocasião, Anatoly escreveu um artigo para um jornal local que tratava sobre o tradicional processo de produção de bonecas de pano, ocorrido na região do alto Rio Volga em meados dos séculos XIX e XX. Segundo ele, “Entre as bonecas de pano produziam-se, principalmente as do sexo feminino. Nas aldeias, a imagem preferida das bonecas de pano era a feminina (…). O material básico para fabricação das bonecas era o pano, mas há casos onde foram utilizados paus, galhos, palha, argila, papel e areia (…). O cabelo, muitas vezes, era feito de cabelo humano...”. Obviamente que o texto não deixa transparecer nada demais em sua redação, mas agora que o caso está esclarecido fica claro que ele estava se referindo ao seu estranho hobby.


Na Foto: Imagem do artigo escrito por Anatoly Moskvin e disponível na biblioteca estadual de Nizhny Novgorod. Fonte: KP News.
Artigo escrito por Anatoly Moskvin


Compreendendo as atitudes de uma mente tão mórbida

Um dos pontos sobre Anatoly Moskvin que mais chama a atenção é o fato dele ter um intelecto acima da média. Além de falar 13 idiomas, era doutor em cultura céltica, professor de história, filósofo e escritor, tendo escrito um guia sobre cemitérios russos após visitar aproximadamente 752 cemitérios no país em 2007. Tal pedido foi feito por Oleg Riabov, um colega acadêmico e editor de um jornal local (Nizhny Novgorod Worker). Durante essa jornada, ele percorria a pé cerca de 30 km diariamente. Além disso, chegou a passar noites em palheiros, em fazendas abandonadas, ou nos próprios cemitérios. Certa vez ele teve que até mesmo passar uma noite dentro de um caixão. Por causa disso, Anatoly era considerado a maior autoridade em cemitérios do país, ou seja, um “necropolista”.

Anatoly Moskvin em um cemitério na Rússia


Além de colecionar “bonecas” ele tinha um acervo de aproximadamente 60 mil livros e documentos acumulados em sua casa. No vídeo gravado pela polícia durante a investigação em sua residência, é possível ver várias pilhas de livros e papeis acumulados nos cômodos. Entre os anos de 2006 e 2010, também trabalhou como freelancer para um jornal local (Nizhny Novgorod Worker), publicando matérias regularmente para a coluna semanal “Necrologies”, que abordava temas como obituários, histórias sobre cemitérios e pessoas famosas mortas. Conforme já abordado, Moskvin também escreveu uma extensa série de artigos sobre a história dos cemitérios de Nizhny Novgorod, após visitar centenas de cemitérios. Mesmo depois de sentenciado, ele continuou a publicar matérias, como as intituladas “Great Walks Around Cemeteries” e “What the Dead Said”.

Na Foto: Anatoly Moskvin, data da foto desconhecida.
Foto de Anatoly Moskvin mais jovem
Socialmente, ele era descrito como um cidadão pacato e solitário. Nunca se casou e vivia com seus pais. Em 2016 foi relevado que uma das pessoas presentes no júri de seu julgamento era supostamente uma noiva de Anatoly quando ele tinha 25 anos, mas o casamento nunca se concretizou. Ele também era considerado estranho devido sua ambição pelo oculto. Temos que ressaltar que existe uma enorme diferença entre admirar o incompreendido sobrenatural e fabricar bonecas a partir de defuntos. Este mesmo que lhes escreve, apenas mantém o blog “Cabana do Terror” por se interessar por temas obscuros e macabros. Mas existe um abismo mais do que infinito entre esse gosto e a vontade de profanar cadáveres. Com isso, uma pergunta fica no ar: por que Anatoly fez algo tão extremo como produzir bonecas com corpos humanos?


A resposta pode estar presente em um trauma ocorrido na infância, narrado pelo próprio em uma matéria publicada no Necrologies seis dias antes de ser preso. Quando tinha 13 anos de idade, Anatoly se deparou com um cortejo fúnebre de uma garota, que seguia para um cemitério. Tratava-se do sepultamento de uma amiga próxima, Natasha Petrova, de apenas 11 anos. Um homem presente nessa ocasião teria puxado Anatoly, obrigando-o a beijar a testa da menina. Sentir os lábios encostar-se à pele gelada de uma criança morta pode ter sido o gatilho para que essa estranha obsessão iniciasse. Segundo palavras do próprio Anatoly, “um adulto empurrou meu rosto até a testa da garota (...), e não havia nada que eu pudesse fazer além de beijá-la como ordenado”. Se não fosse o bastante, depois disso a mãe de Natasha colocou uma aliança no dedo de Anatoly e também no dedo da filha, como se realizasse uma união matrimonial. Desde então, ele começou a frequentar regularmente o Cemitério Krasnaya Etna localizado no distrito Leninsky de Nizhny Novgorod.

Outro acontecimento na vida de Anatoly que pode ter incentivado seu comportamento, foi o fato do conselho tutelar russo negar um pedido de adoção de uma garotinha em virtude de sua baixa renda. Em depoimento para a polícia, ele afirmou que “realmente queria uma menina, uma filha. Mas o juizado não deixou. Portanto, eu e todas essas bonecas éramos crianças. Eu vivia com elas como vivia com os vivos, mostrava-lhes desenhos animados, contava histórias de ninar(…)”.



Julgamento, declarações e sentença

Anatoly Moskvin dentro da jaula durante julgamento
Sob a acusação de violação e profanação de túmulos e cadáveres (itens 1 e 2 do artigo 244 do Código Penal russo), Anatoly foi julgado em 2012. Ele permaneceu dentro de uma espécie de jaula gradeada em todo momento ao longo do julgamento. Sua insanidade mental foi detectada logo no princípio do processo. Na maioria das vezes em que se pronunciava, Anatoly dizia frases desconexas em um ritmo bastante acelerado e ininterrupto. Em certa ocasião, ele disse que havia feito isso “para que a ciência pudesse reanimá-las posteriormente (…). A genética desenvolve-se num ritmo muito rápido. Foi somente por isso. Eu fiquei muito triste por todas elas. Eu só queria ter algum material para o futuro da clonagem. Para que todas que essas crianças pudessem viver uma segunda vez”. Embora o psiquiatra Yan Goland, chefe do Centro de Reabilitação Psicológica Korefei levante suspeita de necrofilismo e fetichismo, Anatoly insistiu que nunca havia feito nada de conotação sexual com suas bonecas. De acordo com o próprio, a relação existente entre ele e as bonecas tinha um lado totalmente fraternal. Conversar, cantar músicas, assistir a desenhos animados e celebrar festas eram as únicas atividades que ele declarou ter realizado junto às bonecas. Cabe ressaltar que ele também admitiu que comunicava com as bonecas utilizando uma linguagem própria e que existia uma hierarquia entre elas.

Anatoly Moskvin tinha inteira noção de que estava cometendo um crime, mas o mesmo alegou sentir que as crianças mortas estavam chamando por ele e implorando para serem resgatadas. Para ele, atender esse pedido de resgaste estava acima do cumprimento de qualquer lei. Como grande conhecedor da cultura celta, ele declarou posteriormente que conhecia alguns cultos antigos de druidas que dormiam em sepulturas para se comunicar com os espíritos de seus mortos. Ele também estudou a cultura dos povos da Sibéria (antigo Yakuts) e descobriu que eles praticavam um ritual semelhante. Tendo em mãos tais conhecimentos, ele começou a pesquisar obituários de crianças mortas recentemente. Assim, ele rastreava onde a criança estava enterrada e dormia em seu túmulo, a fim de determinar se o espírito queria ser trazido de volta à vida. Anatoly afirmou que nunca desenterrou um túmulo sem a permissão da criança. Com o passar dos anos e com o peso da idade, era cada vez mais difícil passar a noite nas sepulturas. Então ele começou a levar os corpos para casa, onde seria mais confortável dormir perto deles. Ele esperava que os espíritos estivessem mais dispostos a falar em um lugar seguro e acolhedor, como sua casa.

Muitos acreditaram que provavelmente Anatoly poderia estar atuando, simulando-se de louco para escapar de uma pena pesada. Segundo o psiquiatra forense, Leandro Gavinier, não se poderia descartar a possibilidade de Anatoly estar manipulando suas declarações. Fingindo ou não, o promotor Konstatin Zhilyakov solicitou sua internação compulsória em um hospital psiquiátrico, mediante o diagnóstico de esquizofrenia paranoica. A proposta foi aceita sem objeções pelo juiz. Após a sentença, muitos historiadores que colaboravam em projetos juntos a Anatoly cancelaram a parceria. Um desses pesquisadores era sua colega Yulia Zadozozhna, que pesquisava sobre veteranos de guerra enterrados na região de Balakhna, entre os séculos XVII e XIX. Em um dos últimos contatos entre ambos, Anatoly ainda criticou a colega por sua pesquisa se basear em registros de igrejas ao invés de estudar os cadáveres in loco.  



Anatoly Moskvin sendo levado para o julgamento

Anatoly ainda teve quatro pedidos de liberdade negados além de sucessivas prorrogações de tratamento. Até julho de 2019 (data que escrevo esse artigo), Anatoly continuou internado de forma compulsória. Para Vladimir Stravinskas, chefe do Comitê de Investigação da Federação Russa da região de Nizhny Novgorod, o caso das bonecas de Anatoly pode ser considerado excepcional e inigualável do ponto de vista da análise forense moderna.



Referências

All That’s Interesting à https://bit.ly/2xm1Z8V
Horror em Dobro à https://bit.ly/2NWPEDp
Não Acredito à https://bit.ly/2O9vypG
O Aprendiz Verde à https://bit.ly/2JSRf9l
Vale do Medo à https://bit.ly/2S1r7vr
Wikipedia à https://bit.ly/2JTZEYK  

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