domingo, 28 de novembro de 2021

A HISTÓRIA DA VIÚVA MACHADO – A LENDA DA PAPA-FIGO DE NATAL-RN!

 Tsug

 

A história de Amélia Machado

 

A viúva Machado é uma das mais famosas lendas de Natal, capital do Estado do Rio Grande de Norte. Quem inspirou a origem dessa lenda foi Amélia Duarte Machado, nascida em 1881. Em 1904, Amélia se casou com Manoel Duarte Machado, um rico português que tinha posse de várias terras (dizem que todo o terreno dos bairros Morro Branco e Nova Descoberta pertenciam a ele) e era proprietário da “Despensa Natalense”, uma dos maiores comércios do bairro da Ribeira. Lá eram vendidos diversos gêneros alimentícios como farinha de trigo e de mandioca, açúcar e sal, verduras, frutas, conservas e carnes, além de bebidas nacionais (cachaça) e importadas (vinho português). Também vendia alguns materiais para construção, como a madeira cedro, originada da Índia. Manoel também foi conhecido por ser um incentivador da aviação, ao doar algumas de suas terras para construção do campo de pouso de Parnamirim.

 



 

Amélia fica viúva e se transforma na “Papa-Figo”

 

Manoel morreu em 1934 e deixou toda sua grande herança para Amélia. Ela passou a administrar todos seus bens, uma vez que ele não tinha deixado herdeiros. Uma mulher assumir tantos negócios importantes não era algo comumente observado na época, no qual as mulheres eram vistas apenas como mães e esposas. Antes da morte de Manoel, Amélia tinha uma vida de socialite, cuja única preocupação era organizar jantares para reunir a alta sociedade potiguar. Então de certa forma, a nova função exercida por Amélia passou a ser vista como uma ameaça à ordem social de Natal. Muitos outros comerciantes se aproximaram dela para tentar se aproveitar daquela riqueza, mas Amélia não cedia. Ela era tão competente com os negócios quanto o falecido marido. Então ela passou a ser vista como uma mulher autoritária e mandona pela sociedade. Por ser uma mulher sozinha e bem sucedida, o que fugia para o padrão da época, cada vez mais a imagem de Amélia foi sendo distorcida até surgir a figura da Papa-Figo.

 

Apesar de não ter filhos, Amélia gostava muito de crianças e sempre convidava os filhos de parentes e amigos próximos para irem até sua casa comer doce e brincar. Amélia tentou por algumas vezes ser mãe, mas vários abortos a acometeram até que ela desistisse da ideia. Algumas fontes afirmam que ela chegou a sofrer mais de dez abortos.

 

As pessoas que se incomodavam com o sucesso da viúva se aproveitaram da aproximação dela com as crianças para fomentar histórias que manchassem sua reputação. De acordo com os boatos, ela atraia as crianças ou as raptava das ruas com o intuito de comer seus fígados! O objetivo de Amélia com isso seria atenuar os sintomas de uma maldição que caiu sobre ela. Dizem que ela teria feito pacto com o diabo para poder ficar rica. Em troca disso, as forças demoníacas havia roubado toda sua beleza, deixando-a deformada. Apenas o consumo regular de fígado de crianças era capaz de evitar que essas mudanças físicas se expressassem.

 

Amélia realmente teve uma doença, chamada Síndrome de Treacher Collins, que causou uma deformação em sua face, deixando suas orelhas grandes e disformes. Isso fomentou a parte da lenda que ela se tornava um ser deformado e que tinha que comer os fígados para se curar dessa moléstia.

 

Algumas vezes que saiu de casa, Amélia chegou a ser agredida verbalmente com frases como “Lá vem a papa-figo!”. Todos esses boatos associado com o acometimento da doença fizeram com que Amélia se tornasse uma pessoa ainda mais reclusa. Esse distanciamento social aumentou ainda mais o mistério que a cercava. De acordo com o pesquisador Rostand Medeiros, “consta que ela recebia poucas visitas, saía pouco de casa (até porque tinha uma igreja na porta) e ainda sofria de uma estranha doença, onde se comentavam que suas orelhas eram muito grandes”. Ela passou grande parte da vida reclusa e isolada até sua morte, aos 100 anos de idade. Muitos se questionaram se o hábito de comer o fígado das crianças teria sido o segredo de tamanha longevidade.

 

Com o passar do tempo, a Papa-Figo se transformou em uma ferramenta usada pelos pais para tentar domar e educar seus filhos. Muitas mães para tentar corrigir seus filhos ainda noi dias de hoje falam: “Me obedeça, menino, ou vou chamar a Viúva Machado para comer o teu fígado!”.

 

Em certa ocasião Amélia chegou a comentar sobre sua fama de Papa-Figo. Isso aconteceu quando o jornalista Vicente Serejo do jornal “O Poti” a entrevistou em 1978. A matéria mostra que Amélia era uma mulher muito reservada, mas muito sensível e bondosa, o que contrastava com a imagem dela construída pelo imaginário popular.

 

Amélia Duarte Machado - foto real


 

A casa da Viúva Machado

 

A casa onde a viúva Machado viveu acabou se tornando um ponto turístico de Natal. Ela foi construída em 1910 por Jorge Maranhão, irmão de Alberto Maranhão (ex-governador do Rio Grande do Norte) e ficava no bairro Guarapes, bem a frente da Igreja do Rosário dos Pretos. Tem o estilo Art Decó, com falsas colunas e falsas varandas. Manuel Machado adquiriu esse imóvel em 1920 e nele viveu até sua morte, em 1934. Por muito tempo, muitas pessoas evitaram passar em frente a casa, temendo a assustadora Papa-Figo.

 

O palacete ainda existe e pertence à família Machado. Por ser um imóvel particular não está aberto à visitação. Além disso, empregados já relataram que a família não gosta muito que aquele local seja associado com a lenda da Papa-Figo.

 

 




 

Estudo da vida de Amélia

 

Toda a vida de Amélia Duarte Machado, incluindo seu nascimento, matrimônio, viuvez e o surgimento da lenda da “papa-figo” foi extremamente explorados e detalhadamente analisados em uma dissertação de mestrado defendida por Ariane Medeiros na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, intitulado como “Amélia Duarte Machado, a Viúva Machado: a esposa, a viúva e a lenda na Cidade do. Natal (1900-1930)”. A autora ainda contextualiza como eram as relações sociais da época, que culminaram com o surgimento de toda a lenda. O trabalho pode ser consultado na íntegra no link referenciado ao final desse texto.

 

 

Referências

 

A história está nos detalhes à https://cutt.ly/ogPiLOS

Amélia Duarte Machado, a Viúva Machado: a esposa, a viúva e a lenda na Cidade do. Natal (1900-1930) à https://cutt.ly/YgGvbZk

Avante à https://cutt.ly/vgVQgah

Brechando à https://cutt.ly/9gJY0NW

Lendas do Rio Grande do Norte à https://cutt.ly/rgKOMxH

Natal das Antigas à https://cutt.ly/TgSW7CI

Nisia Floresta por Luis Carlos Freire à https://cutt.ly/IgHswMQ

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